O Carnaval Visto de Dentro Dele

Um velho provérbio nos ensina que “de longe se vê mais claro”. Mas quando tento olhar o Carnaval objetivamente não consigo. Quanto mais me afasto da folia para obter um enfoque, digamos, imparcial, mais o Carnaval se finca dentro de mim – e não dá mostras de querer sair.

Falar do Carnaval de dentro dele, portanto, é o que consigo. Ao entregar-me a esse pacto generalizado de cumplicidade e concordância com a liberdade, sou apenas “uma a mais” nessa multidão de iguais. Pois a originalidade das fantasias, dos adereços, das combinações de cores, ritmos musicais e danças acentuam o paradoxo: a afirmação da minha singularidade se dá pela confirmação de que as diferenças nos aproximam. Parece louco? Sim. E é louco. Muito louco!

Alguém de fora – um turista europeu, norte-americano ou asiático – talvez julgue excessivo que carnavalescos e foliões trabalhem o ano inteiro só para o carnaval. Mas esta lógica de Cronos não tem sentido abaixo da linha do Equador. Aqui o tempo parece ser regido por Káiros, e nele a paixão dos sentimentos e a aventura das emoções compensam qualquer esforço. A única maneira de o estrangeiro entender a loucura do carnaval brasileiro é aceitar com humor e naturalidade os excessos, acostumar-se com os superlativos e – como se diz aqui – soltar a franga. Sim, porque no reinado de Momo tudo é permitido: o direito se inverte e o inverso se endireita; o rico brinca de pobre e o pobre passa por rico; e a diversidade sexual explode e se escancara para mostrar com irreverência e alegria todos os prazeres de que somos capazes.

O Brasil, essa salada étnica espalhada num território imenso, produz inúmeros carnavais; mas só podemos viver um de cada vez. É natural que alguns prefiram o carnaval de Olinda; outros, o do Rio de Janeiro; outros, o de Salvador, e assim por diante. Pouco importa. O que vale mesmo é se divertir e brincar; pois essa folia com hora marcada é parte essencial da cultura brasileira. E já que “não há bem que sempre dure”, o Carnaval termina na quarta-feira de cinzas. Como diz um antológico frevo pernambucano: “É de fazer chorar, quando o dia amanhece e obriga o frevo a acabar. Oh, quarta-feira ingrata, chega tão depressa, só pra contrariar…”  Sim, também eu fico triste quando o Carnaval acaba. Mas a tristeza logo passa; pois afinal, no ano que vem tem mais!

 

 


                                                           (Mulheres de prata)

 

 

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